11/03/2021
A complexidade do tempo presente, com suas diversificadas crises, forja classificações e padronizações, por vezes precipitadas. Surgem assim ideologias que não admitem ser surpreendidas pela verdade.
Há uma anedota francesa, que ilustra o modo com que aqui denominamos ideologia. O presidente francês General De Gaulle visitava, juntamente com o seu Ministro da Cultura Malraux, uma exposição de arte moderna. Diante de um quadro de rostos inteiramente desfigurados, o general começou a rir. Malraux discretamente lhe dá uma cotovelada e lhe sussurra aos ouvidos: “Senhor presidente, isto é Picasso!” E de Gaulle se recompondo, a sério: “Hum, oh, Picasso!” E assim, quadro por quadro: riso zombeteiro, cotovelada, sussurro de censura: “Mas, Senhor presidente, isto é Matisse, (...) Klee, (...) Kandinsky (...)” De repente, De Gaulle, diante de uma escultura vermelha, estranha, feita de tubos, prende a respiração numa pose de admiração e respeito e, em esperando a cotovelada “ministerial”, está prestes a exclamar “Hum...Oh!...” Malraux lhe dá um empurrão, percebendo a proximidade dos repórteres e o conduz para o seguinte quadro, sussurrando-lhe irritado: “...Mas...General! Isto ali é um hidrante!”
A anedota pode ser de auxílio para iluminar o que significa compreender um dado, situação, pessoa ou realidade, e apontar para a necessidade de disposição para a escuta e o silêncio, qual caminho para promover autênticos espaços de diálogo.
O tempo da quaresma convida a uma “viagem” para o essencial da fé cristã. Tal viagem exige abertura de mente e coração, disposição para se deixar interpelar pelo que verdadeiramente importa.
O discípulo de Cristo tem como parâmetro o Evangelho, lido e interpretado no seio da comunidade de fé. Ele não precisa temer polêmicas efêmeras desinteressadas do núcleo da fé cristã.
Compreender o núcleo da fé permite distinguir entre o que é essencial, e o que pode, talvez, ser considerado acidental.