03/11/2021
Não é possível ser cristão ou cristã na solidão. A advertência é de Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano, e ele a repete sempre que o assunto é o futuro do atual modelo de paróquia ou mesmo do modo como dinamizamos nossa fé.
“A conversão pastoral requer discípulos engajados na causa do Reino, que testemunhem a importância da comunidade, pois não é possível ser cristão na solidão e no isolamento. A fé no Deus Uno e Trino é essencialmente comunitária”, enfatiza Dom Jaime. “Os desafios do tempo, especialmente o anonimato, a solidão e o sofrimento alheios, quando confrontados com o Evangelho, exigem criatividade na revitalização das paróquias”.
Mas o que significa revitalizar uma paróquia e como fazê-lo? Iniciada em Pentecostes de 2019 e interrompida pela pandemia, no início de 2020, o processo de Formação Discipular nasceu como o sonho de transformar as paróquias em redes de comunidades eclesiais missionárias. Revisitada e revigorada na Assembleia do Clero e Assembleia Arquidiocesana de Pastoral, que inicia nesta quinta-feira (4), a realização deste sonho deverá ser uma das prioridades da Arquidiocese de Porto Alegre nos próximos anos.
“A pequena comunidade é compreendida como um ambiente no qual a pessoa se realiza afetivamente na fé e se encontra com pessoas diversas, criando vínculos de amizade. Guiados pela Palavra de Deus, pela fé da Igreja e pela oração, os cristãos podem viver, nessa experiência, o testemunho da caridade ativa que promove a vida e transforma a realidade”, explica Dom Jaime.
O que se busca com as Comunidades Eclesiais Missionárias?
A implantação de Comunidades Eclesiais Missionárias nas paróquias, por meio do processo de Formação Discipular, busca transformá-las em redes com inúmeros grupos ligados entre si. De acordo com o Documento de Aparecida, as comunidades consistem na setorização das paróquias em unidades territoriais menores, com equipes próprias de animação e coordenação que permitam maior proximidade com as pessoas e grupos que vivem na região (DAp 372).
De acordo com as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (DGAE) 2019-2023, são “comunidades” porque os vínculos humanos entre seus membros são fortes, sustentam a vida. São “eclesiais” porque sua referência é Jesus Cristo, no compromisso do Reino de Deus, na comunhão de toda a Igreja. São “missionárias” porque não vivem para si, para o deleite e a proteção de seus membros, mas, ao contrário, cuidando de seus membros, participam dos grandes desafios humanos e socioambientais do entorno.
A iniciativa não é um movimento isolado da Igreja local, mas segue a inspiração catecumenal conforme os tempos e as etapas do Ritual da Iniciação Cristã de Adultos (RICA), e está alinhada com as indicações dos Documentos número 100 (Comunidade de comunidades: uma nova paróquia) e número 107 (Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários) da CNBB e igualmente com as Diretrizes da Ação Evangelizadora 2019-2023.
Na série de matérias que serão publicadas no site e Facebook da Arquidiocese a partir desta quarta-feira (3) e ao longo das próximas semanas, você vai conhecer as experiências de três paróquias da Arquidiocese de Porto Alegre, que já realizaram a implantação de comunidades eclesiais missionárias:
3 de novembro
A primeira reportagem da série mostra a importância das comunidades eclesiais missionárias da paróquia Nossa Senhora da Paz, em Porto Alegre, pelo ponto de vista do pároco, de um leigo animador e de um casal de leigos integrantes.
10 de novembro
Com implantação iniciada após a pandemia, a paróquia Nossa Senhora Aparecida, do bairro Guajuviras, em Canoas, pensa grande: depois de ter apostado no grande número de catequistas para iniciar o trabalho, quer ampliar seu alcance territorial por meio da criação de mais comunidades.
17 de novembro
Relatos de conversão, de fé e de comunidades que seguem aumentando o número de integrantes marcam a experiência da paróquia Menino Deus, em Porto Alegre. A matéria deste dia trará informações sobre como implantar Comunidades Eclesiais Missionárias em uma paróquia.
Paróquia Nossa Senhora da Paz (Porto Alegre/RS)
“Um divisor de águas em minha vida de cristã”
Moradora de Porto Alegre desde a década de 80, o casal Dionete Parise Falk e Celso De Conto, 58 anos, limitava-se a participar das missas aos domingos na paróquia Nossa Senhora da Paz, em Porto Alegre. Não haviam encontrado um ambiente ou grupo em que se sentissem chamados a ter uma participação mais efetiva. No início de 2019, o convite do casal de paroquianos Alex de Oliveira, 41 anos, e Graciane Rippel, 36 anos, para participarem de uma Comunidade Eclesial Missionária foi aceito naturalmente.
“O meu aprendizado e meu entendimento sobre as coisas da Igreja começaram a ficar mais claros. Além disso, o vínculo de carinho que criamos com os demais integrantes foi especial. Meu esposo e eu tivemos Covid e o grupo nos acompanhou e apoiou como pode. Posso dizer que existia uma Dionete antes da comunidade e existe outra depois”, relata ela, emocionada. “Um exemplo desta mudança foi a forma como celebramos o Natal de 2019, o primeiro ano de participação no grupo. Fizemos todo o roteiro de preparação para o Natal e nunca antes ele havia sido celebrado com tanto fervor em nossa família.”
É possível ter ideia da importância das comunidades eclesiais missionárias para a Igreja do Brasil quando elas são consideradas a única prioridade das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil (DGAE), vigente no período de 2019 a 2023. Para ajudar-nos a compreender essa importância, as DGAE usam as figuras da casa e dos pilares “liturgia”, “caridade” e “missão”. A casa é a própria comunidade, e os pilares, sua sustentação. Embora não sejam prioridade, os pilares surgem como fruto da dinâmica vivencial das comunidades. Como no grupo do qual a Dionete e o esposo participam na paróquia Nossa Senhora da Paz. “O próximo passo que quero dar é me envolver com alguma pastoral paroquial como forma de retribuição”, conta ela. São os pilares da caridade e da missão surgindo como consequência do caminho discipular percorrido.
CEM: perseverança e vínculo paroquial
Para o padre Francisco Ledur, pároco da Nossa Senhora da Paz, um dos destaques é a capacidade das comunidades acolherem bem a todos, sem distinção por idade ou se são um casal ou leigos solteiros. “A comunidade cria um bonito vínculo das pessoas com a fé, com a Igreja, com Jesus, mas também um vínculo com a comunidade paroquial. Esta é a promissora perspectiva que eu vejo”, relata. Para ele, embora a Formação Discipular tenha sido prejudicada pela pandemia, se não fosse esse processo, a vida da paróquia teria sofrido ainda mais. “Mesmo sendo recente, a formação das comunidades se destacou em perseverança e vínculo paroquial na comparação com outros movimentos.”
A paróquia iniciou em 2019 com 10 comunidades que tinham, em média, 18 a 20 pessoas. Com a pandemia, o número reduziu para seis, que seguem até hoje. “No momento em que o isolamento foi necessário, iniciamos os encontros pela internet. Lembro que compartilhávamos muita dor, medo, lutos, depressão. Somos psicólogos, e isso nos ajuda a conduzir o grupo”, conta Alex, que anima uma comunidade de 12 pessoas com sua esposa Graciane. “Foi um momento incrível, de graça, de vínculos. Além do apoio mútuo, tínhamos muita sede por formação, e o material de catequese para adultos nos ajudou muito.”