19/07/2024
Para celebrar o 4º Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, marcado para o último domingo (28) do mês de julho, o Papa Francisco escolheu a passagem do livro dos Salmos: “Na velhice não me abandones” (Sl 71, 9). O objetivo é destacar como a solidão é a amarga companheira na vida de muitos idosos, que muitas vezes são vítimas da cultura do descarte.
Este é o quarto ano consecutivo em que a Igreja de todo o mundo comemora a data, que é realizada sempre próximo à memória dos avós de Jesus, São Joaquim e Sant’Ana (26 de julho). Para não deixar essa data passar em branco, a Pastoral Familiar da Arquidiocese de Porto Alegre sugere cinco dicas de como vivenciar este momento e uma bênção final para a celebração do Domingo. Compartilhamos também a oração e a mensagem do Papa Francisco pelo 4º Dia Mundial dos Avós e dos Idosos.
MENSAGEM DO PAPA
Queridos irmãos e irmãs! Deus nunca abandona os seus filhos; nem sequer quando a idade vai avançada e as forças já declinam, quando os cabelos ficam brancos e a função social diminui, quando a vida se torna menos produtiva e corre o risco de parecer inútil. O Senhor não olha para as aparências (cf. 1 Sam 16, 7), nem desdenha escolher aqueles que, aos olhos de muitos, parecem irrelevantes. Não descarta pedra alguma; antes, as mais «velhas» são a base segura sobre a qual se podem apoiar as pedras «novas» para, todas juntas, construírem o edifício espiritual (cf. 1 Ped 2, 5).
2 A Sagrada Escritura é, toda ela, uma narração do amor fiel do Senhor, da qual emerge uma certeza consoladora: em todas as fases da vida e em qualquer condição que nos encontremos, inclusive nas nossas traições, Deus continua sempre a mostrar-nos a sua misericórdia. Os salmos estão repletos da maravilha do coração humano à vista do modo como Deus cuida de nós, apesar da nossa insignificância (cf. Sal 144, 3-4); asseguram-nos que Deus teceu cada um de nós desde o seio materno (cf. Sal 139, 13) e nunca abandonará a nossa vida, nem mesmo na morada dos mortos (cf. Sal 16, 10). Podemos, portanto, estar certos de que estará ao nosso lado também na velhice; aliás, segundo a Bíblia, é sinal de bênção poder envelhecer. E contudo, nos salmos, encontramos também esta sentida invocação ao Senhor: «Não me rejeites no tempo da velhice» (Sal 71, 9). Uma frase forte, crua. Faz pensar no sofrimento extremo de Jesus, quando gritou na cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» (Mt 27, 46). Assim, na Bíblia, encontramos a certeza da proximidade de Deus em todas as estações da vida e, simultaneamente, o temor do abandono, especialmente na velhice e nos períodos de sofrimento. Não se trata duma contradição. Se olharmos em redor, não teremos dificuldade em constatar como tais expressões espelham uma realidade bem evidente. A molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão. Muitas vezes me sucedeu, como bispo de Buenos Aires, ir visitar lares de terceira idade,
3 dando-me conta de como raramente recebiam visitas aquelas pessoas: algumas, há muitos meses, não viam os seus familiares. Muitas são as causas desta solidão. Em tantos países, sobretudo nos mais pobres, os idosos vivem sozinhos porque os filhos foram obrigados a emigrar. Depois, nas numerosas situações de conflito, quantos idosos ficam sozinhos, porque os homens – jovens e adultos – tiveram de ir combater, e as mulheres, sobretudo as mães com crianças pequenas, deixam o país para dar segurança aos filhos. Nas cidades e aldeias devastadas pela guerra, permanecem sozinhos muitos idosos e anciãos, únicos sinais de vida em áreas onde parecem reinar o abandono e a morte. Além disso, noutras partes do mundo, existe uma convicção falsa, mas profundamente enraizada nalgumas culturas locais, que gera hostilidade contra os idosos, suspeitados de recorrer à feitiçaria para se apoderarem das energias vitais dos jovens; e assim, em caso de morte prematura, doença ou sorte desfavorável que recaiam sobre um jovem, a culpa é atribuída a algum idoso. Esta mentalidade deve ser combatida e erradicada. É um daqueles preconceitos sem fundamento do qual já nos libertou a fé cristã, mas ainda alimenta uma certa conflitualidade geracional que persiste entre jovens e idosos. Se pensarmos bem, está hoje muito presente por todo o lado esta acusação, lançada contra os velhos, de «roubar o futuro aos jovens»; sob forma diversa, aparece mesmo nas sociedades mais avançadas e modernas. Por exemplo, está já muito espalhada
4 a convicção de que os idosos fazem pesar sobre os jovens os custos da assistência de que necessitam, subtraindo assim recursos ao desenvolvimento do país e, consequentemente, aos jovens. Trata se duma visão distorcida da realidade: é como se a sobrevivência dos idosos colocasse em risco a dos jovens, ou como se, para favorecer os jovens, fosse necessário negligenciar os idosos ou mesmo eliminá los. O contraste entre as gerações é um equívoco, um fruto envenenado da cultura do conflito. Opor os jovens aos idosos é uma manipulação inaceitável: «O que está em jogo é a unidade das idades da vida: ou seja, o verdadeiro ponto de referência para a compreensão e a apreciação da vida humana na sua totalidade» (Francisco, Catequese, 23.02.2022). O salmo já citado, em que se pede para não ser rejeitado na velhice, menciona uma conjura que cresce contra a vida dos idosos. As suas palavras parecem excessivas, mas podem-se compreender quando se considera que a solidão e o descarte dos idosos não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa, «para além de toda a circunstância e em qualquer estado ou situação se encontre» (Dicastério para a Doutrina Da Fé, Declaração Dignitas infinita, 08.04.2024, n. 1). Isto acontece quando se perde vista o valor de cada pessoa, tornando-se ela apenas uma despesa que, em alguns casos, aparece demasiado elevada para pagar. O pior é que, muitas vezes, acabam dominados por esta mentalidade os próprios
5 idosos que chegam a considerar-se como um fardo, sendo os primeiros a quererem desaparecer. Aliás, há hoje muitas mulheres e homens que procuram a própria realização pessoal numa existência tão autónoma e desligada dos outros quanto possível. A recíproca pertença está em crise, acentua-se o individualismo; a passagem do «nós» ao «eu» constitui um dos sinais mais evidentes dos nossos tempos. A família, que é a primeira e a mais radical contestação da ideia de nos podermos salvar sozinhos, é uma das vítimas desta cultura individualista. Mas, quando se envelhece, à medida que as forças diminuem, a miragem do individualismo, a ilusão de não precisar de ninguém e de poder viver sem vínculos, revela-se o que verdadeiramente é: em vez disso, encontramo-nos a precisar de tudo, mas agora sozinhos, sem ajuda, sem ninguém com quem possamos contar. É uma triste descoberta, que muitos fazem quando já é demasiado tarde. A solidão e o descarte tornaram-se elementos frequentes no contexto em que estamos imersos. Têm múltiplas raízes: nalguns casos, são o resultado duma exclusão planeada, uma espécie de triste «conjura social»; noutros, trata-se infelizmente duma decisão própria; noutros ainda, suportam-se fingindo que se trata duma opção autónoma. Cada vez mais «perdemos o gosto da fraternidade» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 33) e sentimos dificuldade até para imaginar algo diferente.
6 Em muitos idosos, é possível notar aquele sentimento de resignação de que fala o livro de Rute quando narra como a anciã Noemi, após a morte do marido e dos filhos, convida as duas noras, Orpa e Rute, a regressarem ao seu país natal e à sua casa (cf. Rt 1, 8). Noemi – como muitos idosos de hoje – tem receio de ficar sozinha, mas não consegue imaginar nada diferente. Como viúva, tem consciência de valer pouco aos olhos da sociedade e está convencida de que é um peso para aquelas duas jovens que, ao contrário dela, têm toda a vida pela frente. Por isso, acha melhor afastar-se; e ela mesma convida as suas noras jovens a deixá-la para ir construir o futuro delas noutros lugares (cf. Rt 1, 11-13). As suas palavras são um concentrado de convenções sociais e religiosas que parecem imutáveis e que marcam o próprio destino. Chegada aqui, a narração bíblica apresenta nos duas opções diferentes face ao convite de Noemi e, consequentemente, face à velhice. Uma das duas noras, Orpa, que também ama Noemi, beija-a com um gesto carinhoso, mas aceita a solução que também lhe parece ser a única possível e segue o seu caminho. Rute, porém, não se separa de Noemi, dirigindo-se-lhe com palavras surpreendentes: «Não insistas para que te deixe» (Rt 1, 16). Não tem medo de desafiar os costumes e o sentimento comum; acha que aquela mulher idosa precisa dela e, com coragem, permanece ao seu lado naquela que será, para ambas, o início duma nova viagem. A todos nós – rendidos à ideia de que a solidão seja um
7 destino inevitável –, Rute ensina que, à imploração «não me abandones», é possível responder «não te abandonarei!» Não hesita em subverter o que parece ser uma realidade imutável: viver sozinhos não pode ser a única alternativa. Não é por acaso que Rute – aquela que fica junto da idosa Noemi – foi uma antepassada do Messias (cf. Mt 1, 5), de Jesus, o Emanuel, Aquele que é «Deus connosco», Aquele que aconchega e aproxima a Deus todos os homens, de todas as condições, de todas as idades. A liberdade e a coragem de Rute convidam-nos a percorrer uma nova estrada: sigamos os seus passos, ponhamo-nos a caminho com esta jovem mulher estrangeira e com a idosa Noemi, não tenhamos medo de mudar os nossos hábitos e imaginar um futuro diferente para os nossos anciãos. A nossa gratidão estende-se a todas as pessoas que, mesmo à custa de muitos sacrifícios, realmente seguiram o exemplo de Rute e estão a cuidar dum idoso ou simplesmente a demonstrar diariamente solidariedade a parentes ou conhecidos que não têm mais ninguém. Rute escolheu permanecer junto de Noemi e foi abençoada: com um casamento feliz, uma descendência, uma terra. Isto é válido sempre e para todos: mantendo-se junto dos idosos, reconhecendo o papel insubstituível que eles têm na família, na sociedade e na Igreja, também nós receberemos muitos dons, tantas graças, inúmeras bênçãos!
8 Neste IV Dia Mundial a eles dedicado, não deixemos de mostrar a nossa ternura aos avós e aos idosos das nossas famílias, visitemos aqueles que estão desanimados e já não esperam que seja possível um futuro diferente. À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem a coragem de dizer «não te abandonarei!» e de seguir um caminho diferente. A todos vós, queridos avós e idosos, e às pessoas que vos acompanham, chegue a minha bênção acompanhada pela oração. E também vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.
Roma, São João de Latrão, 25 de abril de 2024
Francisco