Sacerdote da Arquidiocese relata vivência da Semana Santa em Roma

09/05/2023

Sacerdote da Arquidiocese relata vivência da Semana Santa em Roma

A Semana Santa é o centro da nossa fé. A Semana das Semanas. Vivenciá-la com intensidade na comunidade onde participamos é um momento único. Agora, nós podemos imaginar o sentimento de quem teve a chance de estar junto do Papa Francisco para participar dos mistérios centrais da fé católica. Pois um membro do nosso clero, o padre Edilon Rosales de Lima, que está em Roma como candidato para o Pontifício Instituto Bíblico, teve esta oportunidade há exatamente um mês. Confira a entrevista:

 

Vamos começar pelo Domingo de Ramos, pois poucos dias antes o Santo Padre havia recebido alta de uma internação hospitalar que havia deixado a todos preocupados. 

 

Pe. Edilon Rosales de Lima - Um belíssimo dia na praça de São Pedro, uma enorme celebração, realmente é um momento quase que nostálgico, podemos dizer, muitos padres concelebrando e ajudando, um grande número de fiéis presentes. Mas a primeira coisa que eu gostaria de salientar é que um dia antes o Papa Francisco ainda estava no hospital, ele teve uma bronquite e ficou alguns dias internado e saiu no sábado anterior, um dia antes do Domingo de Ramos e já pôde celebrar o Domingo de Ramos em praça aberta. Percebia-se pela voz dele um pouco de rouquidão, mas realmente foi um grande esforço do nosso Papa. Outra coisa é a afluência de Fiéis. A praça se embeleza, vamos dizer assim, com culturas, raças e línguas de todos os cantos do mundo. É muito patente a catolicidade da igreja naquele lugar, naquele momento.

 

E chegamos ao Tríduo Pascal. Na Quinta-feira Santa, a primeira celebração do dia é a Missa do Crisma. Aqui em Porto Alegre é celebrada na Catedral Metropolitana, uma solenidade belíssima com a presença do clero. Você, padre Edilon, que já participou deste momento aqui, qual foi a sua emoção ao celebrar esta missa em Roma? 

 

Pe. Edilon - Na quinta-feira Santa, como sacerdote, eu devo participar, pela manhã, da chamada Missa Crismal, a Missa do Crisma, onde todos os sacerdotes devem ir até o bispo e, junto com o bispo abençoa os óleos santos dos enfermos, dos catecúmenos e, sobretudo, consagra o óleo do Crisma, para que dali os padres levem as suas comunidades e já passem a usar, a partir da noite santa da Virgínia Pascal, os óleos abençoados pelo bispo por ocasião daquela Páscoa. Uma belíssima celebração. Como agora sou residente da Diocese de Roma, devo participar junto ao Bispo de Roma, que é o próprio Papa. Mais de 1,8 mil padres na Basílica de São Pedro. É um momento único.

 

Inclusive a Basílica fica bastante restrita aos sacerdotes, porque em Roma não temos somente os padres que trabalham, mas a grande maioria do clero em Roma são estudantes, como eu. Mais de seis mil estudantes religiosos em Roma, dos quais uma considerável porcentagem são sacerdotes. Então pude participar da missa, chamada Missa do Crisma, na Basílica de São Pedro.

 

À noite da Quinta-feira Santa marca a abertura do Tríduo Pascal, com a missa da ceia do Senhor e instituição da Eucaristia. Como foi esta celebração aí em Roma, que desta vez foi em comunidade e não junto ao Papa.

 

Pe. Edilon - À noite, a missa da Ceia do Senhor, o Papa Francisco tem por um costume, que ele já trouxe com ele lá de Buenos Aires, quando ele era arcebispo de Buenos Aires, de celebrar em algum cárcere, em alguma prisão, e ele fez isso novamente, celebrou na primeira prisão depois de dez anos, foi de novo celebrar neste lugar. Por isso, eu não fui à Basílica, lá um outro cardeal celebrou a Ceia do Senhor. É interessante porque neste dia nenhum padre está autorizado a celebrar missa sozinho, que por justa e razoável situação os sacerdotes podem fazer isto. Mas neste dia da Ceia do Senhor, instituição do sacerdócio, os padres não podem celebrar a missa sozinhos, devem concelebrar ao menos. Então, como eu sou residente do Colégio Pio Brasileiro, eu fui celebrar missa junto à paróquia Nossa Senhora de Guadalupe e São Felipe Mártir, que é a paróquia próxima do Pio Brasileiro, uma belíssima igreja, uma belíssima comunidade com muitos jovens, muito jovens, muito viva, e que é curada, guardada pelos padres dos Legionários de Cristo.

 

O tríduo seguiu na Sexta-Feira Santa. Agora novamente junto ao Papa. Como foi para você estar envolvido na celebração da Paixão?


 

Pe. Edilon - Papa Francisco está usando cadeira de rodas, então ele não se prostrou ao chão, já veio da sacristia paramentado e ficou em silêncio diante do altar enquanto todos nós nos ajoelhamos, e para depois seguir ao momento das as leituras, sobretudo de ouvirmos o belíssimo canto da paixão do Senhor do texto do evangelho de João. Mais de vinte minutos em pé, ouvindo um grande jogral entre três diáconos e o coro da Capela Sistina é algo emocionante porque nos ajuda a entrar no mistério da Liturgia daquele momento, da paixão do Senhor. Também em todas as celebrações eu pude ajudar na distribuição da comunhão. E é realmente tão bonito poder participar assim de bastidor, ajudando, trabalhando junto ao Papa na Basílica de São Pedro que é um é um palco central da nossa fé, do culto católico. Realmente é uma graça assim o de ver como as pessoas que vão até Pedro vão com o coração católico. Um coração de cristãos que realmente todo  católico tem um pouco o seu coração naquele lugar. Na sexta-feira santa eu pude perceber e participar deste mistério bastante concreto, depois fiz a adoração da cruz, que é o grande momento da Sexta-Feira Santa, e claro voltei a casa para continuar o dia de recolhimento. 


 

Chegamos na Vigília Pascal. O que tu pode nos contar de detalhes desta solene celebração no interior da Basílica de São Pedro?

 

Pe. Edilon - Pois bem, no Sábado Santo, a Vigília pascal do Senhor foi celebrada às 20h na Basílica de São Pedro. Realmente um momento único. Todos os dias são únicos,  mas é que um supera o outro sempre assim. A Basílica de São Pedro é uma das jóias da beleza artística, sacra da nossa fé católica. A Basílica devido a sua história ela é uma concentração de estilos, que vai do romântico passando pelo clássico Renascentista, Barroco italiano, alguma coisa do Rococó. Em todo caso eu digo isto porque, para nós percebermos todos os elementos que tem na Basílica e sempre tem algo novo a ser percebido, que  nunca se foi percebido no passado, as luzes colaboram muito. E participar de uma liturgia onde a basílica está totalmente escura, é algo realmente grandioso, de forma que como acontece nas nossas comunidades, a basílica é iluminada à luz das nossas velas porque todos nós fomos iluminados pela luz do próprio Cristo ressuscitado, ele que não reflete luz, ele é a própria luz, que nos dá a luz, nós somos os refletores como cristãos, desde o batismo. E grandiosamente é o momento do glória, grandioso, é o momento do glória quando no  anúncio do Glória que estava silenciado por quarenta dias tocam-se os sinos, replicam-se os sinos, o órgão que por quarenta dias não tocou mais, rebomba pela Basílica de São Pedro e acendem-se as luzes da basílica de uma só vez. É algo realmente assim  de colocar qualquer dúvida, perdoe minha comparação, qualquer show em alguma categoria inferior. Realmente é um momento muito nostálgico que nos ajuda a celebrar. Eu pontuo esses elementos humanos pra nós projetarmos isso na nossa fé enquanto o culto como o lugar em que os sentimentos, as sensações, os sentidos melhor dizendo nos ajudam a entrar no mistério Deus se fez carne, se comunicou a nós por meio dos sentidos. 

 

E padre, gostaria que o senhor nos falasse sobre a pessoa do Papa Francisco, que na celebração da Vigília Pascal, está mais próximo dos sacerdotes por certo. 

 

Pe. Edilon - Sempre nos perguntam isso, mas vale recordar que o Papa não é uma celebridade porque é famoso. É comum estarmos próximos dele como sacerdote concelebrante. O Papa é o Vigário de Cristo na Terra. Por isso o enchemos de cuidados. Não é um rei humano, uma celebridade que a gente vai lá e curte na rede social. Essa não é a função do Papa e nem de nós sacerdotes. É claro que sendo o Papa existe todo um esquema de segurança. Há um cadastro previamente feito que nos dá acesso, credibilidade, para estarmos lá. Estamos ao redor do altar de Deus. Mas um fato curioso aconteceu no Sábado Santo. Quando o Papa estava deixando a Basílica, passou muito próximo dos padres. E um sacerdote mexicano viu a cena, e disse ao Santo Padre. “Boa Páscoa”. Ao que o Papa Francisco respondeu: “Boa Páscoa a vocês e não exagerem nas festas que amanhã tem Missa”. Foi um momento muito natural, espontâneo, de graças, que Deus Nosso Senhor vai colocando no nosso caminho.

 

Agora chegamos ao Domingo de Páscoa. Nos conte os bastidores da preparação da Praça, da Liturgia, e outros detalhes que lhe chamaram a atenção.  

 

Pe. Edilon - Quero dizer para vocês que é uma missa campal na praça de São Pedro, decorada este ano a praça com 35 mil flores, vindas da Holanda. A Holanda é considerada o jardim da Europa. Eu concelebrei, estava justamente na Sagrada Basílica, no pavimento superior, poucos metros do altar central e entre os meios das flores ao vir o vento passavam pelas flores e perfumava a praça é algo assim realmente quase que celestial. Flores belas, coloridas, muito vivas e dão todo um encanto da Páscoa, tudo muito bem preparado, coro, tudo tudo muito organizado, nas nossas liturgias devem ser. 

 

Outra coisa interessante é que neste dia de Páscoa é um dos dias que tem a chamada bênção Urt et Orb. A benção da cidade ao mundo. Que o Papa dá no geral três vezes ao ano, a Páscoa é uma dessas ocasiões. É um dia muito festivo, muito solene. É o dia em que a Guarda Suíça faz uma parada militar porque é um dia de apresentação de armas, um momento digamos assim quase que de chefe de estado do Papa. Para manifestar uma boa relação entre a Santa Sé o país da cidade-estado do Vaticano, com a República Italiana, também as forças militares italianas vem saudar o estado do Vaticano. Cerca de quarenta minutos antes da celebração que essa parada militar na apresentação de armas, tanto da Guarda Suíça, o próprio exército do Papa, e depois entra também o exército da Itália, acontece. Quem conhece um pouco da vida militar sabe que aquele momento de apresentação de armas em que um comandante toma posse da tropa do do outro que veio se congratular com aquele que lhe visita. É realmente um momento assim muito nobre, vamos dizer assim né daquele momento tão festivo que é o dia da Páscoa. E muitas pessoas, muitas pessoas na Praça de São Pedro, um dia belíssimo e sobretudo belíssimo porque estão lembrando o mistério central da nossa fé que é a ressurreição do Senhor. Como diz o apóstolo Paulo, se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé e isso ainda mais com Pedro que pode ver o ressuscitado, né? Pôde conviver com o ressuscitado e ver o ressuscitado. Ele que é hoje para nós o Papa Francisco. 

 

Uma última curiosidade da missa de Páscoa Uma tradição prevista que na missa de Páscoa que o Evangelho seja cantado duas vezes - uma versão em latim e outra versão em grego - porque nós sabemos que é uma forma de nós manifestarmos a nossa unidade, o nosso desejo de voltarmos a ser uma só  família com os nossos irmãos Ortodoxos, que celebram a fé cristã verdadeira  como nós, apesar das nossas diferenças de comunidades de fé.  Então pude ouvir isso tanto em latim como em grego também o evangelho ser anunciado nesta celebração pascal. 




 

Pe. Edilon Rosales de Lima é candidato ao Mestrado Exegese Bíblica no Pontifício Instituto Bíblico. Rezemos pelo seu período de estudos em Roma e o seu ministério. A entrevista está disponível nas plataformas de áudio: https://open.spotify.com/episode/4Eux6RjYYYu0keuay1bQRq?si=6472c651d4804940

 



Autor:
Marcos Koboldt

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