09/10/2023
É tempo de “ir mais longe”, de “ousar”, rumo a um futuro para o qual “somos convidados pelo próprio Senhor”. Dom Jaime Spengler , arcebispo de Porto Alegre, participa do Sínodo dos Bispos sobre sinodalidade, inaugurado no Vaticano no dia 4 de outubro em dupla função: a de presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (Celam), que nos últimos anos tem com forças renovadas no caminho da sinodalidade e como presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o país com maior número de católicos no mundo. A Agência de Notícias católicas SIR, sediada na Itália, o entrevistou no início dos trabalhos sinodais.
Com que espírito participará no Sínodo sobre a sinodalidade?
Dom Jaime Spengler – Participo no Sínodo com espírito de comunhão, com vontade de cooperar para que a Igreja seja cada vez mais sinal do Reino na sociedade e com o coração aberto para aprender com outras realidades eclesiais.
Você considera este Sínodo um momento decisivo para a Igreja do futuro? Por quais motivos?
Dom Jaime Spengler – Estamos vivendo uma mudança de época! Historicamente falando, sabemos, por exemplo, que Paulo foi capaz de levar o jovem cristianismo às fronteiras do judaísmo da sua época. A atualidade exige também um salto relativamente à modernidade, marcada pela ideologia liberal que prometia bem-estar para muitos - o que não se concretizou, dados, por exemplo, os conflitos armados e os movimentos migratórios que afetam multidões no mundo -,a uma presença eclesial na sociedade que apresente os sinais de uma forte experiência pessoal de encontro com a pessoa do Crucificado-Ressuscitado, capaz de promover e iluminar novas relações no tecido social. Não devemos esquecer que a fé em Cristo é graça; mas é também um salto, segundo o filósofo Kierkegaard, um caminho de confiança e coragem, de amor e lealdade, de proximidade e solidariedade; é um movimento e construção de um futuro já inaugurado e para o qual somos convidados pelo próprio Senhor!
Atualmente o senhor é presidente do CELAM e da maior conferência episcopal nacional da América Latina, a CNBB. Está satisfeito com os progressos alcançados nos últimos anos no continente, a começar pela Assembleia da Cidade do México?
Dom Jaime Spengler – O caminho inaugurado a nível latino-americano e caribenho encontrou o itinerário sinodal, ou foi encontrado por ele! Este movimento está destacando os níveis de participação na comunidade eclesial. No continente existe uma prática consolidada de participação de todos os batizados na vida eclesial ordinária. É verdade que este nível de participação varia de país para país e de região para região. Contudo, deve sublinhar-se que as iniciativas dos últimos anos levaram à promoção de espaços de comunhão e participação na vida quotidiana das comunidades de fé.
Que contribuição específica a América Latina e o Caribe podem dar?
Dom Jaime Spengler – A riqueza da Igreja reside também na sua diversidade. Todos nós temos algo a aprender com os outros. A América Latina e o Caribe têm uma história marcada por pequenas comunidades que, não raro, por falta de ministros ordenados, promovem a leitura da Palavra, a oração do terço, as práticas devocionais... Esta situação tem contribuído para promover a ministérios que, de uma forma ou de outra, ajudam a manter viva a fé para muitos. Embora a presença do ministro ordenado seja importante, os leigos descobriram a sua dignidade batismal e, ao mesmo tempo, os seus carismas e capacidades. E isto acontece de forma generosa, gratuita, fraterna e autenticamente evangélica! Poderia ser uma experiência para partilhar com as Igrejas de outros continentes! Nós também certamente temos muito a aprender com outras Igrejas! É por isso que este processo inaugurado por iniciativa do Papa Francisco poderia seruma oportunidade privilegiada para todos, eu diria um verdadeiro “kairós” ou, se quiserem, a oportunidade de um novo Pentecostes, quando o Espírito será capaz de fazer novas todas as coisas!
O Cristianismo, no Ocidente, é considerado em crise. Isso também se aplica à América Latina? Quais poderiam ser as respostas?
Dom Jaime Spengler – Parece ter chegado o momento em que o cristianismo deve superar corajosamente os seus limites mentais e institucionais! Os números são incontestáveis! Devemos procurar meios, métodos e linguagens adequadas para transmitir a mensagem! A fé que nos guia não é um mero fideísmo emocional, presente em muitos ambientes; nem um vago sentimento piedoso, presente também em muitos espaços eclesiais. A fé implica uma abertura através da qual aquilo que os textos bíblicos apresentam penetra e transforma a vida do ser humano. Fé é graça! Cada época na história traz consigo seus desafios! Cada período histórico tem suas próprias necessidades. É por isso que a crise é – ou deveria ser! – presente em todos os âmbitos onde a Igreja está presente!A crise é uma oportunidade! Oportunidade de avançar, de ir mais longe, de ousar!Considerar a crise como um simples perigo ou ameaça é “suicídio”. Momentos de crise são oportunidades privilegiadas para buscar o novo – e não o novo! – que só o Evangelho pode dar. São oportunidades para encontrar “água doce e cristalina”, capaz de saciar a sede dos caminhantes e peregrinos da esperança.
Uma sinodalidade vivida e exercida pode ser também uma resposta ao avanço de novas realidades religiosas? Pensemos em particular no Brasil e nos neo-evangélicos...
Dom Jaime Spengler – O que chamamos de sinodalidade indica a característica primordial da Igreja! Os primeiros séculos da história cristã demonstram isto. A realidade multirreligiosa que marca a vida do povo brasileiro é resultado de diversos fatores. Não podemos entrar em detalhes aqui, pois se trata de um fenômeno complexo. Contudo, atrevo-me a dizer que o clericalismo contribuiu muito para a multiplicação das chamadas confissões religiosas e cristãs. O fato é que as pessoas precisam de cultivar e promover tempos e lugares em que possam experienciar a transcendência. É uma necessidade que exige cuidado e respeito. Não se pode querer promover a “negociação” com o divino ou com a sua transcendência. Por esta razão, acredito que o que o Espírito pede à Igreja poderia ser uma oportunidade privilegiada para propor novamente a mensagem de forma ainda mais incisiva.Acredito também que os processos de iniciação à vida cristã, a prática da leitura orante da Palavra e a promoção de pequenas comunidades podem cooperar vigorosamente na promoção da obra de evangelização. As comunidades devem promover espaços de acolhimento, escuta, solidariedade e oração! Isto é o que o Documento de Aparecida chama de “conversão pastoral”, mas que na atividade pastoral cotidiana não é algo simples. Passar de um grupo de seguidores a uma comunidade de discípulos exige abertura de coração, coragem, audácia, caridade...
Você também espera reformas visíveis deste e do próximo Sínodo? Em quais áreas?
Dom Jaime Spengler – Já há algum tempo que ouvimos falar da necessidade de um Sínodo sobre a Igreja. Que estradas serão abertas? O que nos espera? Não sabemos que indicações serão oferecidas ao Santo Padre pelos debates, diálogos, estudos e orações das duas sessões ou fases do Sínodo! É o Espírito quem guia o trabalho. A importância fundamental é cultivar a abertura da mente e do coração, para compreender verdadeiramente o que o Espírito sugere à Igreja de hoje e de amanhã.O caminho percorrido até aqui já está dando frutos. Alguns estão com medo. Outros, talvez, sejam indiferentes. Outros ainda, talvez, sintam nostalgia de um tempo que já passou. Mas há muitos que estão atentos aos sinais dos tempos, dispostos a colaborar para que a vida de muitos continue a ter sabor evangélico; dispostos a responder aos desafios da cultura de hoje. Não devemos esquecer que se a cultura é o meio de busca de sentido, então pode ser considerada objeto de legítima investigação teológica e espiritual. Neste caminho sinodal falou-se muito sobre a necessidade de calar, de ouvir. Silenciar, escutar, procurar compreender e compreender, perseverar na busca de respostas autênticas às preocupações do homem de hoje. A verdade que procuramos, para nós cristãos, não é um conceito, é uma pessoa! Ele é uma pessoa viva! Neste sentido, a verdade viva precisa sempre ser procurada, desejada e amada de uma maneira nova.Você me pergunta sobre reformas visíveis após o Sínodo. Bem, o próprio processo sinodal já expressa algo novo. Para dizer mais: acredito que a linguagem utilizada para transmitir a mensagem também está em crise. Encontrar uma linguagem que responda às necessidades dos adolescentes e jovens de hoje, por exemplo, é uma necessidade urgente. São nativos digitais, são marcados pelo que se chama de inteligência artificial, o que exige uma abordagem particular. Imagino que chegaremos a aprofundar os casos de participação na vida eclesial ordinária; Refiro-me aos vários concílios já previstos, à questão da ministerialidade nas comunidades e, num sentido mais amplo, à identidade, missão e competências dos conselhos eclesiais, das conferências episcopais, das províncias eclesiásticas.
Link original: https://www.agensir.it/mondo/2023/10/05/dom-spengler-celam-unoccasione-privilegiata-per-tutti-un-vero-e-proprio-kairos/